Travessia do Brasil 2020

Foram 10.162,69 km em 50 dias.

Aos 12 anos de idade, o paulista Fernando Zogaib já era apaixonado pela bicicleta. 

Ela era não apenas seu brinquedo preferido como também seu meio de transporte para ir e voltar da escola, casa de amigos e passear aos finais de semana. Nesta mesma época, ele leu o livro “Cem dias entre céu e mar”, do velejador brasileiro Amyr Klynk e, desde então, a possibilidade de uma grande viagem de bicicleta não lhe saiu mais da cabeça.

Fernando Zogaib
Travessia Brasil - Fernando Zogaib

Inspirado pelo velejador,

aos 16 anos, fez sua primeira Cicloviagem de cerca de 600 km com um amigo de infância.

Eles saíram de Valinhos (SP) e  passaram por Joanópolis, Monte Verde, Campos de Jordão, Monteiro Lobato, São José dos Campos e retornaram pela rodovia Dom Pedro, no dia 25 de dezembro. Essa data ficou marcada em sua memória, pois o retorno, que seria uma surpresa para a família, acabou se tornando uma surpresa para ele mesmo: ao chegar em casa, descobriu que eles tinham viajado para celebrar o natal com parentes. Não ficou triste por isso, apenas se deu conta de que as emoções e aventuras de uma cicloviagem continuam mesmo depois que ela termina…

Fernando continuou sonhando e suas cicloviagens se tornaram rotina de férias. Ao menos uma vez ao ano uma nova aventura acontecia, e, então, os 600 km da primeira viagem se tornaram 800, depois  1000, 1200, 1500, 2000 km’s… nesse ritmo, ele percorreu o litoral do país de São Paulo à Fortaleza, fez a Estrada Real por 2 vezes, Sul de Minas e outras tantas. Sua paixão por cicloviagens era tamanha que contagiava os amigos, irmãos, sobrinho e até a mãe e o pai, tanto que todos realizaram cicloviagens de bike com ele.

Zogaib se tornou um ciclista amador de alto desempenho,

e, assim, participou de provas clássicas como Granfondo de Ubatuba, na qual obteve, por 2 vezes, o 3º lugar e noutra a 5ª colocação.

Também participou do Brasil Ride, fechando a prova na 34ª colocação geral. Ele chegou a ter patrocínio e correr de speed por equipes, mas o sonho de uma grande cicloviagem solo nunca saiu de sua cabeça.

Em 2015, ficou sabendo que um ciclista havia estabelecido um novo recorde para “a mais rápida travessia de Bike de Norte a Sul do país” ao finalizar a prova em 57 dias e, naquele mesmo momento, Fernando percebeu que estava ali a possibilidade de fazer algo incrível: realizar seu sonho e, ao mesmo tempo, tentar bater um recorde Brasileiro!

Foram 5 anos sonhando, planejando, levantando custos, estudando roteiros verificando as mais variadas possibilidades, analisando os riscos e, claro, tomando coragem…

Durante essa fase de planejamento da viagem, a planilha de custos mostrou que seria oneroso demais se ele fosse adquirir todos os equipamentos novos para realizar a empreitada de maneira 100% independente. Então, para minimizar o impacto financeiro em suas contas, ele aproveitou boa parte do que já tinha em mãos.

O equipamento escolhido foi uma bicicleta da marca BMC, modelo Teammachine SLR 02, ano 2016, com grupo Shimano Ultegra Di2, que ele adquiriu usada e possuía desde 2017, a qual já tinha rodado nas mãos dele 36 mil quilometros. A bike é uma clássica estradeira, com características racing muito fortes e nada apropriada para os trechos de terra. Para minimizar os riscos de quebra durante o trajeto, ela ganhou nova relação (corrente e coroas novas), sapatas de freio, pneus e um par de rodas novas. Os alforges e bagageiro eram os que Fernando já possuía há mais de 10 anos. O banco, a sapatilha e o pedal vieram de sua Mountain Bike, sendo essa a única adaptação para encarar os trechos de terra que encararia no trajeto.

Então, por coincidência do destino, no dia 25 de Dezembro de 2019, data da chegada de sua primeira cicloviagem, Zogaib, então, com 42 anos, deu início ao que seria a realização de seu sonho: uma grande jornada solo de bicicleta cruzando o país de Norte a Sul, no melhor estilo “Amyr Klynk” – “Cem dias entre Céu e mar”.

O início da viagem já mostrou o tamanho do desafio que estaria por vir: partindo de Uiramutã, dentro da reserva indígena Raposa Serra do Sol, com apenas 40 km rodados, o câmbio traseiro entrou na roda e quebrou a gancheira. O conserto foi realizado, mas Zogaib teve receio de que pudesse acontecer novamente e por não ter outra gancheira sobressalente abriu mão de utilizar o cassete 32 por todo o resto da viagem. Apenas neste primeiro dia encarou 215 km de pedal, sendo 145 km de estradas de terra, em 10 horas e 30 minutos.

Os desafios e as emoções foram uma crescente.

Zogaib encarou uma primeira semana de 1354 km com 80% do trajeto completamente plano, vento lateral forte e temperaturas médias de mais de 35°C. Para quem acredita que pedalar em trecho plano é fácil, Zogaib afirmou que a possibilidade de descansar as pernas é nula e que chegou a colocar pedras de gelo por dentro da roupa durante um trecho em que encarou mais de 40°C.

Outro desafio foi pedalar em uma semana a média de quilometragem que geralmente treina durante um mês. Zogaib contou não ter feito nenhuma preparação específica para a viagem a não ser manter a rotina de treinos com seus amigos e cuidar muito bem da alimentação. Sentiu muitas dores no corpo durante todo o primeiro mês de viagem, comprava sacos de gelo para colocar nas pernas durante a noite e perdeu um total de 10 kg após concluir a viagem.

Ele afirmou que é difícil colocar em palavras as mudanças que seu corpo sofreu durante a aventura, “pedalar uma média de mais de 200 km por dia durante 50 dias muda por completo o entendimento que temos de nosso próprio corpo. A maneira e quantidade de alimento e água que ingerimos é absurda. Cheguei a beber, por exemplo, 15 litros de água por dia e ingeria uma dúzia de bananas num trecho de 1 hora depois de ter almoçado mais de 1 kg de comida. A inexistência de um período de recuperação muscular também fez com que eu mudasse até o meu estilo de pedal”, explica o ciclista.

Após a conclusão da primeira semana, Zogaib afirma que encarou as seguintes como se fossem etapas de um “Tour de France” misturado com “Cape Epic”. Ele não tinha mais consciência dos dias da semana ou do mês, apenas focava em completar a “etapa seguinte”, sucessivamente, seguindo a planilha dos trechos que havia elaborado. A rotina no final do dia era primeiro se alimentar, cuidar da bike e só depois tomar banho e descansar.  

O planejamento inicial elaborado por ele não foi cumprido à risca devido a problemas mecânicos, condições climáticas e outros imprevistos, e, por isso, ele teve que adaptar todo o roteiro durante o percurso. Isso, para ele, se mostrou  ser outra aventura, pois como não levou barraca, Fernando era obrigado a chegar em alguma cidade para pernoitar, o que, às vezes, o fazia rodar uma quilometragem maior ou menor do que a pretendida no dia. “Normal, né?! Assim como em nossa vida nem tudo sai como o planejado! O que importa é que eu chegava inteiro!”, conclui o atleta. 

Esse otimismo foi fundamental para os momentos de dificuldades, que foram muitos, principalmente ao cruzar grandes centros e rodovias de grande movimento, algumas durante tempestades. “Na rodovia Régis Bittencourt, por exemplo, eu vi três acidentes, no mesmo dia em que os carros rodaram e bateram. Eu também vi um motociclista cair e rolar por uns 70 metros bem na minha frente. Diante desses fatos, só me restava rezar e pedir proteção divina”.

“É claro que atravessar o país de bicicleta é perigosíssimo, mas, ao mesmo tempo, é de uma beleza imensurável. Eu passei por lugares tão lindos que me fizeram chorar só de olhar, vivi os momentos e as emoções mais fortes da minha vida, gritei alto por várias vezes, cantei, toquei bateria no ar, fiz coreografias em cima da bike. Eu dançava mesmo! Por vezes, eu era o artista no palco, e em outras eu era a platéia fazendo o coro do refrão. Eu até mesmo perdia a noção de que estava pedalando. Quando eu via passar uma Honda biz na rodovia eu pensava que o cara era louco de estar com uma moto tão fraca numa rodovia tão perigosa como aquela… mas aí me lembrava que eu estava ali de bicicleta!”.

A viagem foi concluída em 50 dias, com 10.160 quilómetros percorridos em 404 horas de pedal, o que dá uma velocidade média geral de 25.5 km/h. Sobre o fato de ser uma média de velocidade bastante alta para um cicloturista, principalmente num trecho tão longo, Zogaib comenta: “sempre foi uma característica minha rodar rápido, mesmo em cicloviagens. Em tom de brincadeira, eu costumo dizer que pratico o cicloturismo competitivo. Mas contra quem é este “cicloturismo competitivo”? Contra eu mesmo! Tem coisa mais legal que isso?

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